Diogo Jota: A Personificação do Lindo Jogo no Seu Melhor

Esporte

Se há um ponto comum nas inúmeras manifestações de pesar que surgiram no mundo do futebol após a trágica perda de Diogo Jota, é o profundo sentimento de admiração por um futebolista verdadeiramente especial. Adeptos, colegas de equipa e treinadores, todos veneravam o seu talento excecional, mas havia uma qualidade humana ainda mais profunda neste homem que torna a sua partida tão dolorosa, mesmo para aqueles que não o conheciam pessoalmente.

Esta característica é lindamente ilustrada numa entrevista concedida há quatro anos. A sua época de estreia no Liverpool, apesar de marcada por algumas lesões, tinha sido coroada de sucesso; a segunda seria aquela em que ele desempenharia um papel crucial na conquista da `dobradinha` doméstica pelos Reds, mantendo-os na corrida pelos títulos da Premier League e da Liga dos Campeões até aos derradeiros momentos. Quando um jogador no auge da carreira fala, é natural que seja convidado a partilhar os obstáculos que superou no seu percurso até ao estrelato. Afinal, aos 16 anos, ele ainda representava a equipa da sua terra, o Gondomar, sem um salário, mas sim num sistema de `pagar para jogar`.

Contudo, Jota optou por desviar o foco de si mesmo e apontar os louvores para outros.

“Não era eu que pagava, eram os meus pais”, disse Jota à BBC. “Lembro-me que essa era a coisa mais difícil para mim, ver a luta deles para conseguir o dinheiro para o clube. Acho que isso me criou uma dívida que nunca conseguirei pagar. Claro, tento fazê-lo”. Esta afirmação revela um superastro que jamais esqueceu que a sua ascensão se deveu tanto ao apoio incondicional dos outros quanto ao notável talento que possuía. Como Jurgen Klopp sabiamente referiu no mesmo ano, ele não era apenas um “jogador excecional”, mas também um “rapaz excecional”.

Para além do seu caráter, Jota era um jogador de talento vistoso e eficaz. Isso era inegável para qualquer defesa do Championship que teve de o enfrentar na época da promoção do Wolves, um ano em que ele aparecia nos estádios adversários e, por si só, desmantelava as equipas. A sua arrebatadora combinação de qualidades é bem espelhada no último golo que marcou com a camisola vermelha do Liverpool: um drible elegante sobre Idrissa Gueye com o pé direito, mais um toque para se posicionar para o remate, e um disparo rasteiro brilhante que selou a vitória sobre o Everton, impulsionando a equipa de Arne Slot com júbilo rumo ao título. Jota possuía aquela `estrelinha` decisiva: relembrem o golo do empate em Old Trafford na sua primeira visita como jogador dos Reds, o golo da vitória nos descontos contra o Tottenham, ou a consistência com que estragava o dia ao Arsenal.

Estes momentos, por si só, já garantiriam um lugar especial no coração dos adeptos. Mas parece haver algo mais, algo que levaria um adepto do Wolves a peregrinar até Anfield para prestar homenagem. “Ele vestia a camisola com o coração lá”, disse um fã do Wolves à Hayters, agarrando o emblema da sua antiga camisola dourada. “Quando ele beijava o emblema, sabia-se que ele o sentia de verdade”.

Jota importava-se, e Jota trabalhava incansavelmente. Nunca houve sinais de frustração manifestada nos media quando perdia a titularidade, nem tentativas públicas de forçar uma saída de Molineux para Anfield. Quando as lesões o afetavam, ele redobrava os esforços, superando problemas musculares no ano passado para ter um impacto significativo na reta final da época do Liverpool. Voltemos àquele golo final: o drible e o remate são obras de arte, mas de onde nascem? Da diligência em pressionar e lutar por uma bola bem no campo adversário. Um internacional português com mais de 40 internacionalizações, um homem que já nada tinha a provar no desporto, e mesmo assim, trabalhava sempre mais do que o seu oponente.

Num momento de tamanha tristeza, pode parecer estranho focarmo-nos nas estatísticas de um jogador, mas o seu perfil estatístico também nos revela algo sobre Jota, o homem. Quando Michael Edwards e a sua equipa de recrutamento concluíram que o jogador de 23 anos, com 16 golos na Premier League, poderia ser a peça capaz de, um dia, substituir o lendário `fab three` – Roberto Firmino, Sadio Mané e Mohamed Salah –, viram um jogador que constantemente se colocava em posições de remate, cujos golos esperados iriam, com o tempo, refletir-se no desempenho real. Estes números eram um espelho das qualidades pessoais de Jota. Pode não ter sido o jogador fisicamente mais imponente, mais forte ou mesmo o mais rápido (embora tivesse uma aceleração notável), mas trabalhava tanto quanto qualquer avançado para se colocar em posições onde pudesse ser decisivo para a sua equipa.

O treinador adjunto, Pep Lijnders, referia-se a ele como um “monstro do pressing”. Apesar de todo o talento disponível no ataque da Seleção Portuguesa, a equipa parecia sempre melhor quando Jota estava em campo. Os adeptos do Liverpool adoravam o “rapaz de Portugal”, cantando “melhor que Figo, não sabem”. E não é de admirar, pois ele parecia sempre encontrar tempo para se conectar e apoiar os adeptos que precisavam.

Ao longo dos seus 28 anos, Diogo Jota trouxe uma alegria imensurável a tantos adeptos de futebol. A sua morte, juntamente com a do seu irmão, parece ainda mais cruel por ter acontecido precisamente quando ele começava a colher os frutos alegres que tanto merecia: o título da Premier League, mais sucessos internacionais com Portugal e, claro, o seu casamento com a sua companheira de longa data, Rute Cardoso, com quem partilhava a felicidade de ter três filhos.

A sua história deveria, logicamente, ter continuado a partir daí. Mais troféus com o Liverpool e com Portugal. A próxima geração de futebolistas beneficiaria imensamente se tivesse a oportunidade de ser orientada por alguém com o seu exemplo. Tudo isso, contudo, quase empalidece perante a vida pessoal e familiar que ele e Rute poderiam ter desfrutado.

Dentro e fora dos relvados, Diogo Jota personificou o que este desporto tem de melhor. Havia na forma como ele abordava a sua profissão algo que simplesmente cativava a admiração de todos. “Dizem que só perdemos as pessoas quando as esquecemos”, disse Ruben Neves, colega no Wolves e na Seleção Portuguesa. “Eu nunca te esquecerei”.

O futebol será, sem dúvida, um lugar melhor se outros seguirem o seu exemplo.

Rodrigo Carvalhal
Rodrigo Carvalhal

Rodrigo Carvalhal, 36 anos, jornalista esportivo sediado em Lisboa. Especializou-se na cobertura de desportos radicais e de aventura, acompanhando de perto o crescimento do surf e do skate em Portugal.

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